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GNL o novo voo da águia

A importância do processo de Liquefação de gases é conhecida não é de hoje – a tecnologia vem sendo desenvolvida desde os anos 1920. A primeira utilização foi para a recuperação de hélio do gás natural, mas não demorou para a indústria vislumbrar o extraordinário potencial econômico do gás natural Liquefeito (GNL, ou LNG, em inglês), sobretudo como fator viabilizador do transporte deste estratégico combustível. Nos últimos anos, os Estados Unidos experimentaram o que vem sendo tratado como a ‘revolução do gás natural’, que desencadeou uma verdadeira reviravolta energética no país. A súbita abundância do produto, extraído das chamadas fontes não-convencionais, especialmente das formações rochosas de xisto, criou uma nova realidade, de preços baixos sustentáveis do gás natural. Com isso, muitos consumidores de grande porte de energia se voltaram para esta matriz e, mesmo assim, ante a crescente oferta, as exportações entraram nos planos de empresas, que vêm pressionando o governo norte-americano por licenças. A chegada dos EUA aos mercados internacionais, com quantidades até pouco tempo atrás impensáveis de GNL, porém, transformará profundamente a geopolítica global de energia e promete impulsionar fortemente a maior economia do planeta.
É TIDO COMO CERTO que os Estados Unidos se tornarão, a qualquer momento, o terceiro maior produtor mundial de GNL, atrás somente de Austrália e Catar. Isto era algo totalmente inimaginável antes do advento da exploração de petróleo e gás de xisto. Até meados da década passada, o país ainda era importador de gás. Não deixa de ser irônico, portanto, que o boom na produção de ambos tenha ocorrido a partir de 2008, auge da crise econômico-financeira que eclodiu justamente nos EUA. Os números são fantásticos. O Maciço de Marcellus, por exemplo, uma cadeia de rochas arenosas impregnadas de gás e óleo, abriga uma das maiores reservas do mundo (a maior conhecida nos Estados Unidos), que se estende por mais de mil quilômetros, desde o estado de Nova York até o de West Virgínia. No ano passado, somente o estado da Pensilvânia emitiu 2.484 licenças para a instalação de novas unidades de exploração/produção de gás e óleo. Para se ter uma ideia da evolução exponencial da oferta, em 2008, a parte do Maciço de Marcellus que fica dentro do estado da Pensilvânia não produzia absolutamente nada de gás. Em 2011, a produção na região atingiu 12 bilhões de metros cúbicos. Em 2012, saltou a 25 bilhões de metros cúbicos e já chega agora à faixa de 40 bilhões de metros cúbicos.
A QUESTÃO DA EXPORTAÇÃO DE GNL, todavia, vem sendo conduzida com muito cuidado pelas autoridades norte-americanas. Afinal, energia é assunto estratégico, sendo tratado ao nível de segurança nacional. O veto à exportação de petróleo, por exemplo, ainda está em vigor, não obstante as fortes pressões com que o governo vem lidando. A proibição das vendas externas de óleo cru foi instituída há 40 anos, na administração do então presidente Gerald Ford, tendo como finalidade isolar os EUA de possíveis choques de oferta no plantea, como o que havia sido causado na ocasião pelo embargo decretado por países árabes. Ocorre que gás e petróleo são explorados em conjunto nas jazidas americanas, pois as formações rochosas são abundantes de ambos. Os investimentos para a extração de um e de outro são correlatos. Além do que, muitas das utilizações de petróleo e carvão na indústria em geral (sobretudo no setor de produção de energia} podem e vêm sendo substituídas pelo gás natural.
A PRESENTE CONJUNTURA – DE PERSISTENTE fraqueza dos preços do óleo e do gás, e de rápido e contínuo progresso tecnológico no que diz respeito à exploração e produção em fontes não convencionais de xisto, que impulsiona a oferta – sustenta o aumento dos clamores domésticos, orquestrados pela poderosa indústria, para que os EUA entrem para valer na briga por mercados internacionais. “Diante dos benefícios para as famílias e trabalhadores americanos, é difícil imaginar por que a administração (Obama) rejeitaria os esforços bipartidários (de republicanos e democratas) para destravar o potencial dos EUA para se tornar uma potência energética, ainda por cima tendo-se em vista que ela (a administração) defendeu acirradamente o acordo para por fim ao boicote ao petróleo iraniano”, comentou Louis Finkel, vice-presidente executivo para assuntos governamentais do American Petroleum Institute.
MAS SE, POR UM LADO, AS ÓBVIAS RAZÕES econômicas pesam no sentido do avanço dos EUA sobre os mercados externos, por outro, o empenho do presidente Obama por uma guinada no sentido de uma economia de baixo carbono tem sido um empecilho. Ambientalistas argumentam que as exportações de gás e de óleo aumentariam a dependência econômica de combustíveis fósseis, além de fornecerem um enorme incentivo à indústria para explorações em áreas até então preservadas, como o Ártico. “Não podemos queimar as reservas de óleo, carvão e gás que possuímos sem elevar as emissões de gases do efeito estufa a níveis perigosos. As exportações destes produtos certamente encorajarão mais produção e a expansão das reservas conhecidas”, diz uma carta assinada por 42 organizações ambientalistas, que foi enviada aos congressistas no mês passado.
DE FATO, QUALQUER INCENTIVO à indústria dos combustíveis fósseis, a essa altura, macularia os imensos esforços de Obama, especialmente no seu segundo mandato, para a construção de um legado de colocar o país no rumo da economia de baixo carbono, com o fim da dependência dos combustíveis fósseis. Ao que tudo indica, portanto, as eleições do ano que vem serão determinantes para o ritmo com que os EUA entrarão no mercado externo. No caso de vitória do Partido Republicano, as exportações provavelmente ganharão vulto rapidamente. Apesar da relutância de setores da atual administração, os projetos de produção de GNL estão avançando, pois, mesmo dentro do Partido Democrata e do governo, existem muitas alas favoráveis a que o país abrace a suposta vocação para se tornar uma potência energética global (talvez a maior). “Nós nos vemos como grandes players, e isto terá um forte impacto. Certamente, nesta década, há uma enorme chance de que nos tornemos exportadores de GNL na escala do Catar, que hoje é o maior do mundo”, opinou Ernest Moniz, secretário de Energia dos EUA. O Catar coloca atualmente cerca de 100 bilhões de metros cúbicos de GNL no mercado global por ano, sendo que a Austrália vem se aproximando deste volume, ante um expressivo aumento de sua produção offshore.
O FATO É QUE, DEIXANDO-SE de lado a questão ambiental, a expansão norte-americana da produção de GNL está em curso, visando-se sobretudo à exportação – o gás natural liquefeito é o gás natural processado, colocado em estado líquido por meio de resfriamento a temperaturas que chegam a -162 °C, reduzindo-se assim o seu volume em mais de 600 vezes e viabilizando-se o transporte marítimo. Algumas projeções indicam que a empreitada de Tio Sam deverá criar milhares de novos empregos, adicionando, ainda nesta década, até US$ 200 bilhões em riqueza, distribuídos entre cidadãos e empresas do país. Cidades como Hackberry, com 1.231 residentes, no pobre estado (para os critérios americanos) da Louisiana, deverão ter o padrão de vida de seus habitantes bastante modificado. A alguns poucos quilômetros da principal avenida da cidade, estrategicamente localizada em uma pequena enseada do Golfo do México, está sendo construída uma fábrica de GNL, fundeada por investidores privados e supervisionada de perto pelo Departamento de Energia, a um custo de cerca de USS10 bilhões.
MESMO EM UM RITMO CAUTELOSO, as licenças para exportação de GNL vão sendo concedidas e cinco terminais/fábricas estão sendo erguidos a pleno vapor. Os números astronômicos de capital privado que está aportando no setor corrobora a confiança da indústria norte-americana e a aposta na sua capacidade de penetração no mercado externo. Outros exemplos das transformações que o dinheiro movimentado pelo GNL começa e empreender em diferentes regiões dos EUA são as cidades de Freeport, no Texas, também às margens do Golfo do México, e Lusby, no estado de Maryland, à beira da baía de Chesapeake, mais ao nordeste do país, no Oceano Atlântico. O terminal de processamento de gás (fabricação de GNL) de Freeport está sendo construído com investimentos da ordem de US$ 12,5 bilhões. Já a fábrica de Lusby custará US$ 3,8 bilhões e, segundo as estimativas, deverá embarcar de USS 9 milhões a US$ 12 milhões de GNL por dia. Os números são significativos, especialmente no caso de Lusby, cuja economia ainda não se recuperou da recessão que se instaurou no pós-2008.
NO ÂMBITO DA GEO POLÍTICA energética global, analistas preveem que o maior prejudicado com a entrada dos EUA no mercado internacional de GNL venha a ser a Rússia. A dominância do país no abastecimento de gás da Europa se torna ameaçada, justamente pelo seu histórico rival. Diga-se de passagem, a dependência do velho continente em relação ao gás russo tem dado a Moscou um enorme poder de barganha. Além do que, o impacto positivo na economia norte-americana pode ser tão forte a ponto de garantir o papel hegemônico do país por mais um bom tempo, deixando para trás a China, que anda envolta em problemas estruturais domésticos.
 
Fonte: Jornal do Commercio (RJ)

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